segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Indiana Jones e o totem sagrado


- Pobres kinuahechi.


- Pobres mesmo, Marion. Os américo-aborígenes não tem nem moeda corrente, e pensando bem, não tem nem correntes. E também não tem...

- Necessidades mundanas incompreensíveis como fama, idolatria gratuita alheia, pôsteres de filmes autografados conservados em âmbar...

- Se está dizendo. E o que ocorreu foi um tanto irônico já que, por causa de um totem esculpido em um tronco de sequóia, quase que fizeram Henry Jones Júnior ao molho madeira! E isso que são uma tribo vegetariana! E tudo porque eu tentei levar o totem sagrado deles para um museu, o que o manteria a salvo das intempéries do clima e da ação de seres aviformes mal humorados.

- Mas a águia de pescoço preto era o animal guardião símbolo daquele povo e todos os anos fazia seu ninho em cima do ídolo. E o fato de você usá-lo como mesa de baralho também não ajudou muito a conquistar a simpatia deles.

- Superstições e crendices, Marion. E eu tenho o dever de preservar artefatos que tenham valor histórico na...

- Superstições, hein? E o fato daquela espécie de águia ser o principal predador do rato almiscarado do milho, que se alimenta principalmente de... Milho... Que é o principal alimento daquela tribo seria coincidência, por acaso?

- Já que mencionastes isso... Sim. Típica coincidência sem fundamento científico.

- Está certo. E para preservar o valor histórico do totem você precisa destruir a História - e, pensando bem, colocar em risco o futuro - de um povo, Indy? Não acha que é um preço alto demais a ser pago? Está certo que você conseguiu o ídolo de graça, mas entendeu o que eu quis dizer.

- Acredito que aqueles silvícolas tecnologicamente desprovidos deveriam tentar entender meu ponto de vista, minha cara. Só que nós dois sabemos que isso não é possível. Um deles até enfiou sua lança no meu rádio transistorizado. Pode- se dizer que isso foi quase um... He, he... Choque cultural. 

- Acredito. E como é que um povo que vive da terra e do que a Natureza lhes provém irá entender as necessidades de quem classifica seus lps de música clássica por datação de carbono 14? 
       
- Ora, Marion, mas não são eles que possuem uma visão naturo-pan-transcendo-holística universal de mundo? De acordo com isso, deveriam colocar as necessidades dos outros acima de suas próprias! Ou seja, deveriam era me agradecer por levar aquele ídolo de lá. E, antes que diga algo, ele já estava rachado...

- O... QUÊ? VOCÊ ESTRAGOU UMA ANTIGUIDADE DE MILHARES DE... 

- Hnf. Faz ideia de como é difícil usar um trambolho daqueles como bote e desviar de rochas e lanças pontiagudas ao mesmo tempo? Tenta só pra você ver.  

- Hmm. Acho que algumas pessoas deveriam rever seus conceitos arraigados sobre o mundo em que vivem e em como suas ações influenciam a vida das demais pessoas.

- Concordo, Marion. Se continuarem com tamanha intransigência, os kinuahechi nunca perderão a fama de selvagens desembestados. E, se não queriam que ninguém... Aham... Pegasse emprestado seu empoeirado ídolo por tempo indeterminado, porque o deixaram lá, mais a mostra do que nariz de Esfinge, para qualquer arqueólogo simpático e emocionalmente desimpedido poder levar embora?

- Porque, na cultura deles, todas as coisas pertencem a todos, como num orfanato de livro de Charles Dickens. Isso quer dizer que, para eles, seria impensável alguém roubar o ídolo.

- E eu lá tenho culpa pela forma equivocada de eles verem o mundo? E roubar é uma palavra inapropriada e inadequada. O que eu faço é realocar artefatos geograficamente para fins humanitários. 

- E tornar as pessoas menos humanas lá é algo humanitário?

- E eu lá tenho culpa daqueles seres vestuariamente desguarnecidos terem o péssimo hábito de resolver - quase - tudo arremessando primitivos projéteis petro-lenhosos? E também não é minha culpa deles não entenderem o objetivo dos museus. 

- Não precisam de museus porque sabem quem são. Vivem - excluindo-se o clima mais árido do que cérebro de viciado em tv e arqueólogos petulantes - quase que num paraíso.

- Paraíso, é? Sabe que até que isso faz sentido, Marion.

- Claro que faz, já que...

- Já que o termo “paraíso” vem do persa ”pairidaêza”, que quer dizer “cerca fortificada”. Não que isso... He, he... Tenha adiantado alguma coisa... Mas tenho de me acostumar com o fato de muitas pessoas jamais entenderão que trabalho de arqueólogo é igual à de olheiro de baseball: descobrir o que ninguém dá valor e colocar o que encontrou fora do alcance de quem pode fazer mau uso. 

- Como assim “mau uso”, Indy? Os kinuahechi não estavam usando aquele ídolo para nada.
- Sim. Foi por isso que eu o peguei, oras!

- Aaaghhh!

- Quê?

- Ahn. Nada, não, Indy.

- Ah, bom.


- Pobres kinuahechi.

9 comentários:

  1. Jacques, guri de Pelotas,
    tudo bem?
    Fiz uma primeira leitura. Como sempre, teus textos com a ironia inteligente e palavras que fico pensando para juntar todas num comentário que faça sentido :)
    Oh! Indiana! Um dos personagens favoritos!

    Adorei esta frase, e acho que resume tudo:
    "jamais entenderão que trabalho de arqueólogo é igual à de olheiro de baseball: descobrir o que ninguém dá valor e colocar o que encontrou fora do alcance de quem pode fazer mau uso."

    Observar para preservar, sempre!

    Um abração e um novo ano mais leve e sempre muita inspiração para ti, amigo!

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  2. Olá Jacques
    Encantando com seus textos maravilhosos e divertidos. Me diverti lendo este texto.
    Passando para lhe desejar um feliz ano novo, claro que com tudo que há de melhor e o mais principal é que a esperança de um ano bem melhor esteja por vir, acredito que no próximo ano estejamos aqui e que o tempo seja nosso amigo.
    Obrigada por sua linda companhia.
    Muito carinho, beijinhos.

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  3. kkkk
    Estas tuas versões dos filmes são ótimas;
    Indiana Jones é um dos meus filmes preferidos.

    Quando vais fazer a tua versão da Múmia? rsss

    Histórias, estórias e outras polêmicas

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  4. Olá Jacques,

    Como sempre, brilhante com seus textos, ao mesmo tempo irônicos e cutucadores.
    Esta cultura de que todas as coisas pertencem a todos é mesmo daqueles que possuem uma natureza bem pura e inocente, que nem a maioria dos silvícolas mantém. Nada escapa da malandragem atualmente, infelizmente.
    Achei ótima esta sua colocação: " Acho que algumas pessoas deveriam rever seus conceitos arraigados sobre o mundo em que vivem e em como suas ações influenciam a vida das demais pessoas".

    Grande abraço. (Que 2014 sorria para você, trazendo-lhes muita inspiração e grandes alegrias).

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  5. Não canso de dizer que adoro a ironia em teus textos.
    " Acho que algumas pessoas deveriam rever seus conceitos arraigados sobre o mundo em que vivem e em como suas ações influenciam a vida das demais pessoas". Definiu!!!

    Maravilhoso 2014!

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  6. lá,Jacques
    ... em geral, os horizontes se reduzem à capacidade perceptiva de cada indivíduo.E tudo pode ser visto de inúmeras maneiras, ou seja, de
    inúmeras perspectivas. ..por isso que muitos deveriam rever seus conceitos arraigados sobre o mundo que vivem...pois, cada um ainda não representam os sentidos universais e necessários... É isso que foi esquecido ao longo dos anos. Da vivência particular à vivência universal ... tendo em vista que as nossas ações é fonte de infinitos sentidos que constituem o mundo, e podem influenciar a vida das demais pessoas...
    Feliz 2014 Iluminado para vc e familiares, obrigado,boa noite,belos dias, abraços!

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  7. Amigo desculpa a minha ausência ando seu vontade de escrever perdi uma pessoa que era uma amiga e uma mãe de coração . Ela faz um trabalho lindo ajudando as pessoas carentes sempre dando colo . Não esqueci os amigos. logo,logo que esta dor passar tento voltar. Um beijinho no teu coração.

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  8. Jacques, guri de Pelotas!
    Agradeço o comentário por lá, sempre aguardado.

    Grande abraço e ótimos dias!

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  9. Bom texto um pouco irônico mas rsrsr
    mas que deixa td bonito Indiana Jones é tudo
    de bommmmmmvaleu mesmo

    Abraços com carinho de sempre

    Bjusssss..........Rita!!!

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